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O Princípio da Dependência Nacional e Outros Desvios Linguísticos

Foto do escritor: Paulo Henrique Faria NunesPaulo Henrique Faria Nunes

Atualizado: 7 de abr. de 2022

Obs.: após a publicação deste texto, o Centro de Informações das Nações Unidas para o Brasil entrou em contato com o autor e relatou a retificação do parágrafo 4 do art. 2 da Carta da ONU no site da ONU Brasil no dia 07/04/2022 (v. imagem ao final).


A Carta das Nações Unidas foi adotada no dia 26 de junho de 1945 e entrou em vigor aos 24 de outubro do mesmo ano. No Brasil, membro originário da entidade, o tratado constitutivo foi promulgado por meio do Decreto 19.841/1945.

Os artigos 1 e 2 da Carta da ONU apresentam os propósitos e princípios da organização. Muitos estudantes e pesquisadores recorrem aos sites oficiais do governo brasileiro ou à página da ONU Brasil para consultar o documento. Entretanto, há um erro na redação do parágrafo 4 do art. 2 em todas essas fontes: "Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas".



Na verdade, o texto deveria fazer referência à independência política. Nas versões autênticas em inglês, francês e espanhol, da Carta da ONU, lê-se respectivamente: "political independence of any state"; "l'indépendance politique de tout État"; "la independencia política de cualquier Estado". A tradução oficial do governo português contém "a independência política de um Estado"

É provável que o texto publicado pela ONU Brasil seja a reprodução fiel da versão disponível na página da Presidência da República, uma vez que o mesmo erro aparece lá (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm) e no site da Câmara dos Deputados (https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-19841-22-outubro-1945-470723-publicacaooriginal-1-pe.html).

Os desavisados que transcrevem o texto divulgado nos canais oficiais on-line do governo brasileiro correm o risco de cometer uma impropriedade grave. No entanto, deve-se eximir de culpa os responsáveis pela tradução da Carta da ONU em 1945. O Diário Oficial da União (DOU) publicou o documento fundador das Nações Unidas em inglês e português (nº 250 (ano LXXXIV), 5 nov. 1945, pág. 17097 e ss.) com a expressão "independência política" no parágrafo 4 do artigo 2 (clique aqui e veja as páginas 17097 e 17098 do DOU em formato PDF).

Outro importante tratado que contém erros gravíssimos é a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada por meio do Decreto 5.687/2006, mas dessa vez os erros constam no DOU A leitura comparado dos textos autênticos - em inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe - e a tradução oficial brasileira revela muitos problemas. A título ilustrativo, transcreve-se apenas o artigo 47:



O artigo 47 é apenas um dos muitos dispositivos com erro de tradução. A versão da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, obviamente, não é um texto confiável. Muitos tratados cujos textos não foram redigidos em português merecem uma consulta às versões autênticas na base de dados da ONU, o que aumenta a responsabilidade de brasileiros que citam normas internacionais.[1]


Paulo Henrique Faria Nunes. Advogado e professor na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Mestre em Geografia (UFG) e doutor em Ciências Políticas e Sociais (Université de Liège - Bélgica).

[1] À época da publicação original deste texto, a pesquisa entre aspas no Google pela redação equivocada do parágrafo 4 do artigo 2 da Carta das Nações Unidas, publicada no sítio da Presidência da República, retornava mais de 790 resultados. E uma busca mais específica no Google Livros (books.google.com) ou no Google Acadêmico (scholar.google.com) mostrou que muitas obras e estudos reproduziram o mesmo erro.










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