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A Família Bin Laden no Brasil: Polêmicas Jurídicas Sobre a Nacionalidade Brasileira

  • Foto do escritor: Paulo Henrique Faria Nunes
    Paulo Henrique Faria Nunes
  • 25 de mar. de 2022
  • 8 min de leitura

Atualizado: 30 de mar. de 2022


O caso da família Binladin[1] evidencia muitos dos complicados meandros das normas relativas à nacionalidade e sua interpretação. A brasileira Isabel Cristina Castanheira Bayma se casou nos Estados Unidos com Khalil Mohammed Awad Binladin – um dos mais de 50 irmãos do mentor dos notórios atentados de 11 de setembro de 2001[2]. O casal teve três filhos nascidos em território norte-americano: Tamara, Sultan e Dalia. Eles ainda adotaram Abdulaziz Mohamed Abdulrahim, nascido na Arábia Saudita. A família vivia inicialmente nos EUA e depois se mudou para a Arábia Saudita. Em 1988, o governo brasileiro nomeou Khalil Binladin cônsul honorário em Jeddah.

Istock - Mirsad Sarajlic (a foto não corresponde a nenhuma das pessoas citadas)


Tamara não foi registrada em qualquer repartição brasileira no exterior. Sultan e Dalia foram registrados no Consulado do Brasil em Miami em 1993. A sentença de adoção de Abdulaziz, proferida pelo Supremo Tribunal de Jeddah, não chegou a ser homologada no Brasil.[3]

Em 2003, os quatro filhos do casal propuseram ações de opção de nacionalidade em Belo Horizonte. À época da propositura das ações e do julgamento em primeira instância (29 abr. 2005), estava em vigor a redação da alínea c do inciso I do art. 12 da Constituição Federal, conforme a EC n. 3, de 7 de junho de 1994. Portanto, as representações brasileiras no exterior não podiam fazer novos registros de nascimento.

Conquanto estudantes universitários no Líbano, o juiz de primeiro grau (11ª Vara da Justiça Federal) reconheceu o direito dos quatro requerentes por entender que o fato de a genitora ter residência fixa no Brasil era suficiente para lhes estender a condição de residentes no território nacional. Entretanto, o Ministério Público Federal (MPF) e a União, representada pela Advocacia-Geral da União, discordaram e o caso foi levado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O julgamento das apelações ocorreu em 2012, após a reintrodução do registro consular de nascimentos na Constituição Federal pela EC 54/2007.

No que concerne ao direito à nacionalidade brasileira, tem-se aqui três cenários: 1) Tamara não possuía à época o registro consular, portanto teria que residir no Brasil e fazer a opção perante a Justiça Federal; 2) Sultan e Dalia tinham o registro consular e, consequentemente, somente precisariam fazer o traslado do documento junto ao cartório competente, um ato meramente administrativo; 3) Abdulaziz não era filho de brasileira ao nascer, mas foi adotado por Isabel Bayma e Khalil Binladin, o que o coloca num imbroglio jurídico em virtude da falta de previsão constitucional explícita sobre o direito à nacionalidade de estrangeiros adotados por brasileiros.

O relator das apelações, o juiz federal Rodrigo Navarro de Oliveira, fez uma abordagem sucinta e homogênea nos quatro recursos. Sustentou que os apelados não demostraram residir efetivamente no país. O fato de apenas passarem férias no Brasil e a residência fixa da mãe em Belo Horizonte não eram, para o magistrado, elementos suficientes. Portanto, eles não preenchiam os requisitos constitucionais para fazer a opção pela nacionalidade brasileira originária naquela ocasião, mas poderiam fazer um novo pedido no futuro. A Quarta Turma Suplementar do TRF da 1ª Região aprovou por unanimidade os votos do relator no dia 3 jul. 2012 e a ata de julgamento foi publicada no dia 23 do mês seguinte (e-DJF1). O Ministério Público Federal não se pronunciou no julgamento das apelações.

No processo de Abdulaziz Mohamed Abdulrahim, o relator não fez qualquer menção à condição de filho adotivo. Sua argumentação se concentrou unicamente na ausência de demonstração de residência permanente no Brasil. Ademais, o voto acolhido em uníssono se refere a Abdulaziz como “nascido nos Estados Unidos da América e filho de mãe brasileira”.

Embargos declaratórios com efeito infringente foram interpostos. No entanto, as decisões de segundo grau foram mantidas. O MPF, representado pelo procurador Antonio Carlos Alpino Bigonha, se manifestou nos embargos. Ele concordou que os apelados não haviam demonstrado residir em Minas Gerais. Entretanto, em relação a Sultan e Dalia, considerou que ambos faziam jus à nacionalidade originária pois foram registrados no consulado brasileiro em Miami:


[...] os autores Sultan Khalil Binladin e Dalia Khalil Binladin juntaram aos autos, com os embargos de declaração, registro de nascimento do Consulado Geral do Brasil em Miami, levado a efeito em 23 de julho de 1993 (AC n.º 2003.38.00.037354-8, fls. 165 e AC n.º 2003.38.00.037355-1, fls. 164).

Assim, em relação a ambos os autores, é preciso reconhecer a condição de brasileiros natos.

Deve-se destacar que em 1993, quando o registro foi efetivado, vigia o artigo 12, inciso I, letra “c”, da Constituição, em sua redação original, que admitia a aquisição da nacionalidade mediante registro, sem necessidade de residência no Brasil.

O registro elide a necessidade de residência, pois as duas condições não são cumulativas: que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Feito o registro na vigência da norma permissiva, operou-se o ato jurídico perfeito, que não pode ser rescindido pela norma posterior. Ainda que assim não fosse, a norma hoje vigente também admite o registro no exterior como forma de aquisição da nacionalidade brasileira. Assim, o fato de a norma vigente no momento do ajuizamento desta ação não admitir essa forma de aquisição da nacionalidade não pode impedir a homologação da declaração de vontade dos autores.

A juntada tardia do documento também não impede o seu acolhimento. [...]

Por todo o exposto, os embargos de declaração opostos por Sultan Khalil Binladin (AC n.º 2003.38.00.037354-8, fls. 157-164) e Dalia Khalil Binladin (AC n.º 2003.38.00.037355-1, fls. 156-163) merecem provimento para que o Tribunal acolha o registro de nascimento dos autores, efetivado pelo Consulado Geral do Brasil em Miami, e atribua efeitos infringentes aos embargos, negando provimento aos apelos, para homologar a opção pela nacionalidade brasileira em relação a ambos.


No tocante a Abdulaziz, o MPF chamou a atenção para a falta da homologação da sentença de adoção. Não obstante, não fez oposição genérica ao direito à nacionalidade originária do estrangeiro adotado por brasileiro. Quanto ao julgamento da apelação, somente destacou a necessidade de correção do erro material na indicação da naturalidade, visto que o relator se referiu a Abdulaziz como nascido em solo norte-americano.

À exceção do caso Abdulaziz Mohamed Abdulrahim, julgado ainda em 2012, os embargos de declaração foram julgados em 2013. Os quatro processos transitaram em julgado em 2014. Em que pese as ponderações do parecer do Parquet, o TRF não alterou nenhuma das decisões.

Entre as datas da seção de apreciação das apelações e da publicação da ata de julgamento, aos 16 jul. 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 155 sobre traslado de certidões de registro civil de pessoas naturais emitidas no exterior.

De acordo com a Resolução 155/2012 (grifos nossos),


Art. 1º O traslado de assentos de nascimento, casamento e óbito de brasileiros em país estrangeiro, tomados por autoridade consular brasileira, nos termos do regulamento consular, ou por autoridade estrangeira competente, a que se refere o caput do art. 32 da Lei nº 6.015/1973, será efetuado no Livro “E” do 1º Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais da Comarca do domicílio do interessado ou do 1º Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais do Distrito Federal, sem a necessidade de autorização judicial.


Os irmãos Sultan e Dalia Khalil Binladin, portadores de registro consular de nascimento emitido em 1993, poderiam fazer o traslado conforme o dispositivo transcrito acima. Por conseguinte, a causa de pedir perdeu a sua razão. O parecer do MPF acertou ao reconhecer o direito de ambos à nacionalidade brasileira. Contudo, não seria um caso de opção e sim de traslado de assento de nascimento tomado por autoridade estrangeira. O TRF1 errou ao insistir que eles deveriam demonstrar residência permanente no Brasil.

No que concerne à Tamara, a ação de opção se fazia necessária. A discussão se concentrava na questão da residência em território nacional. Apesar da decisão do TRF1 ser amparada em precedentes judiciais, considera-se exagerada e sem razão a interpretação dada ao caso. Tamara e seus irmãos estudavam no Líbano enquanto o pai vivia na Arábia Saudita, onde era cônsul-honorário do Brasil, e a mãe vivia em Belo Horizonte. Estrangeiros no Brasil com o propósito de fazer um curso superior devem requerer um visto temporário na subcategoria estudante. Portanto, não parece razoável considerar o curso superior no exterior um impedimento à caracterização da residência ou domicílio no Brasil[4]. Ademais, estudantes universitários ou de cursos técnicos de nível médio podem ser dependentes de seus pais até os 24 anos de idade de acordo com a Lei 9.250/1995 (§1º do art. 35). Se eles não eram residentes permanentes no Líbano, restariam os países de seus pais.



Tendo em vista que a Resolução 155/2012 do CNJ admite o traslado de assentos de nascimento tomados por autoridade estrangeira, Tamara também poderia se dirigir diretamente a um cartório no Brasil e obter um documento hábil. Assim, o rigor excessivo em relação à residência parece anacrônico.

O reconhecimento da nacionalidade de Abdulaziz era mais específico por se tratar de filho adotivo. Como visto anteriormente, a Constituição Federal é omissa em relação à nacionalidade decorrente da adoção. Ao julgar os dois recursos, a apelação e os embargos de declaração, os julgadores não fizeram nenhuma consideração em relação à nacionalidade decorrente da adoção. Assim, caso o tribunal não enxergasse nenhum óbice, Abdulaziz deveria receber o mesmo tratamento de seus irmãos.

A análise dos casos revela que os julgamentos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região apresentaram falhas graves. A atuação do MPF na segunda instância, conquanto não totalmente isenta de críticas, revelou muito mais coerência do que a abordagem dada pelo Poder Judiciário.

Os problemas dos herdeiros de Khalil Mohammed Awad Binladin, aparentemente, não geraram fricções relevantes nas relações exteriores. Inclusive, o mandato do cônsul honorário do Brasil em Jeddah foi renovado por mais quatro anos em 2018:



PORTARIAS DE 1º DE AGOSTO DE 2018[5]


O SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso de suas atribuições e de conformidade com a Portaria de 26 de março de 2003, do Ministro de Estado das Relações Exteriores, resolve:

Art. 1º Renovar, pelo prazo de quatro anos, a nomeação do Senhor KHALIL MOHAMMED AWAD BINLADIN para exercer a função de Cônsul Honorário em Jeddah, Reino da Arábia Saudita.

Art. 2º Esta portaria entrará em vigor na data de sua publicação.

O SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso de suas atribuições e de conformidade com a Portaria de 26 de março de 2003, do Ministro de Estado das Relações Exteriores, resolve:

Art. 1º Renovar, pelo prazo de quatro anos, a nomeação do Senhor EDUARDO TRIGO O'CONNOR D'ARLACH para exercer a função de Cônsul Honorário em Tarija, Estado Plurinacional da Bolívia.

Art. 2º Esta portaria entrará em vigor na data de sua publicação.


MARCOS BEZERRA ABBOTT GALVÃO


[1] Empregou-se aqui a grafia Binladin, encontrada nos processos judiciais 2003.38.00.037353-4, 2003.38.00.037354-8, 2003.38.00.037355-1, 2003.38.00.037356-5 (distribuídos originariamente para a 11ª Vara Federal de Belo Horizonte). Não obstante, lê-se “sanções contra o Talibã e Usama bin Laden no Decreto 3.555/2001. Na portaria de recondução do cônsul honorário do Brasil em Jeddah (Jidá ou Jedá), escreveu-se Khalil Mohammed Awad Binladin. [2] COLL, Steve. The Bin Ladens: an Arabian family in the American century. New York: Penguin, 2008. [3] À época da propositura das ações, competia ao STF homologar sentenças estrangeiras. A EC 45/2004 transferiu a competência ao STJ (cf. art. 105, I, i, da Constituição Federal). [4] Cf. os arts. 70-72 do Código Civil (Lei 10.406/2002). [5] DOU de 6 ago. 2018, n. 150, Seção 2, p. 44.

 
 
 

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