Existem aspectos pouco compreendidos ou interpretados de maneira equivocada em relação à legislação migratória. Erros interpretativos também ocorrem em relação à nacionalidade brasileira. Parte do problema decorre do número considerável de normas referentes ao assunto: Constituição Federal, Lei 13.445/2017, Decreto 9.199/2017, atos infralegais do Poder Executivo e até resoluções do Conselho Nacional de Justiça. Muitos estudantes e profissionais se limitam ao art. 12 da Constituição Federal.
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Esse problema é verificado em trabalhos redigidos por estudantes, em processos administrativos e judiciais, artigos e livros. Cita-se como exemplo um equívoco referente à nacionalidade brasileira nas últimas edições (2018, 2019, 2020, 2021 e 2022) do livro Direito constitucional esquematizado (Pedro Lenza), publicadas após a entrada em vigor da Lei de Migração (Lei 13.445/2017). O problema se encontra no último parágrafo do item 16.3 (Brasileiro Nato), onde se lê o seguinte:
"'Optar' significa abrir mão de eventual outra nacionalidade pela brasileira. Nesse sentido, o art. 63 da Lei n. 13.445/2017 estabelece que o filho de pai ou de mãe brasileiro nascido no exterior e que não tenha sido registrado em repartição consular poderá, a qualquer tempo, promover ação de opção de nacionalidade, de competência da Justiça Federal, conforme visto (art. 109, X, CF/88), prescrevendo-se, ainda, que o órgão de registro deve informar periodicamente à autoridade competente os dados relativos à opção de nacionalidade, conforme regulamento".
O Regulamento da Lei de Migração (Decreto 9.199/2017) dispõe que "[a] opção de nacionalidade não importará a renúncia de outras nacionalidades" (§ 1º do art. 213), o que vai de encontro ao texto de abertura do parágrafo acima ("abrir mão de eventual outra nacionalidade").
Independentemente do conteúdo do dispositivo citado, o texto do art. 12 da Constituição é confuso em relação à nacionalidade e abre margem para diferentes interpretações. A opção, embora a Constituição não seja explícita, não diz respeito ao "direito à nacionalidade" mas – antes – ao "exercício do direito à nacionalidade". Assim, a opção é uma mera formalização necessária ao exercício do direito. A Justiça Federal exerce jurisdição meramente voluntária, isto é, sem espaço para análise de mérito (art. 12, I, c e art. 109, X, da CF; § 2º do Decreto 9.199/2017). O direito é reconhecido pela Constituição a partir de critérios objetivos, mas o exercício do direito à nacionalidade depende da ação de opção.
A interpretação que leva à incompatibilidade da "opção" e da noção de dupla nacionalidade ou multinacionalidade é contraditória, uma vez que o registro consular pode ser feito a qualquer momento da vida independentemente de prejuízo a outra eventual nacionalidade (cf. as normas 4.4.7 a 4.4.25 do Manual do Serviço Consular e Jurídico do MRE – Portaria 457/2010). Outro aspecto que merece ser lembrado é que o estrangeiro que se naturaliza no Brasil não mais necessita renunciar à nacionalidade de origem desde a edição do Decreto 8.757/2016, podendo acumulá-la com a brasileira desde que o sistema jurídico de seu país de origem assim o permita.
Até a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) nº 131/2023, o sistema jurídico brasileiro adotava a renúncia tácita da nacionalidade em relação ao brasileiro que se naturalizava voluntariamente em outro país. Essa emenda alterou o § 4º e acrescentou o § 5º ao art. 12 da CF. De acordo com as regras vigentes, a perda da nacionalidade brasileira nos casos de naturalização espontânea é condicionada à renúncia expressa perante o Ministério da Justiça. Assim, tornou-se possível acumular a condição de brasileiro nato com a de naturalizado em outro país, o que era vedado pela CF até 3 de outubro de 2023.
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Paulo Henrique Faria Nunes (advogado, professor na PUC Goiás, autor de livros e trabalhos sobre Direito Internacional & Migratório).
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